humor

Fazer rir não é licença pra humilhar

Por muito tempo, o humor brasileiro divertiu com criatividade, inteligência e exageros leves. Era aquele humor de roda, de boteco, de televisão, que satirizava costumes e situações cotidianas sem fazer da dor do outro uma atração. Gente como Chico Anysio, Ary Toledo, Costinha e Zé Lezin sabiam provocar gargalhadas sem precisar pisar em ninguém.

Hoje, o riso parece ter se perdido. O que antes era entretenimento, agora vira discurso de ódio disfarçado de piada. Um exemplo claro disso é o caso do humorista Léo Lins, recentemente condenado pela Justiça Federal a mais de 8 anos de prisão por piadas com conteúdo discriminatório — piadas feitas contra negros, indígenas, pessoas com deficiência, LGBTQIA+.

Não estamos falando aqui de censura. Estamos falando de responsabilidade. O que Léo Lins diz no palco não é brincadeira inocente. Veja um trecho de uma de suas apresentações:

“Tem gente que fala: ‘O negro não consegue arrumar emprego. O negro não consegue arrumar emprego.’ Mas na época da escravidão já nascia empregado e também achava ruim.”

É esse o tipo de “humor” que muitos têm defendido como liberdade de expressão. Mas liberdade de expressão não é sinônimo de impunidade. Muito menos de crueldade. Reduzir séculos de opressão a uma piada não é engraçado — é perverso. E ainda há quem diga que piadas como essa são formas de inclusão. Não são.
Inclusão é respeito. Não é expor feridas históricas para arrancar aplausos de gente insensível.

Muitos comediantes de antigamente faziam rir sem machucar. A graça estava na construção, no trocadilho, no inesperado. Como nesta piada clássica:

O homem da letra F
Um sujeito só falava com palavras que começavam com a letra F.
— Qual seu nome?
— Francisco Ferreira Filho.
— Onde você mora?
— Fazendas Famosas, fronteira do Fogo Fátuo.
— O que você faz?
— Faço farinha, faço frete, faço faxina.
— Você vende fiado?
— Faço, faço fácil.
— Se você conseguir me responder mais uma pergunta só com F, eu compro tudo da sua barraca!
— Faça.
— E se eu não pagar?
— Faço festa, fecho a fatura, fico feliz e faço fila no fórum!

É ou não é inteligente? É ou não é engraçado sem ofender ninguém?

O humor perdeu o filtro. E mais do que isso: perdeu o bom senso. Hoje, ser polêmico virou sinônimo de ser engraçado. Quanto mais violento, mais viral. Mas isso não é evolução. Isso é retrocesso. O bom humor provoca, sim, mas provoca pra cima, provoca quem tem poder — não quem já vive às margens, lutando por um espaço digno.

Rir ainda é necessário. Mas rir da dor do outro, da cor do outro, da fé do outro, do corpo do outro…
Isso nunca foi piada. Isso é violência.

Vamos concluir

Embora as piadas tenham sido, de fato, ofensivas e carregadas de preconceitos, é legítimo questionar a proporcionalidade da pena aplicada. Oito anos de prisão em regime inicialmente fechado para um humorista — mesmo com todo o peso do que foi dito — soa como uma punição extrema, especialmente em um país onde crimes como feminicídio, corrupção, estupro e violência policial frequentemente não recebem sentenças à altura. O discurso de ódio precisa ser combatido, sim, mas com medidas que aliem responsabilização a ações educativas e reparadoras, e não apenas com o encarceramento.

A crítica aqui não é para minimizar o impacto das falas ou defender o que foi dito, mas sim para refletir sobre os critérios da Justiça brasileira. Quando um autor de chacina é solto por “falta de provas” e um racista é condenado a quase uma década de prisão sem histórico de violência física, é inevitável a sensação de desequilíbrio nas decisões judiciais. O combate ao preconceito deve ser firme, mas precisa também ser justo, coerente e aplicado de forma igualitária, sob risco de o sistema perder a credibilidade que tanto precisa conquistar.

Em vídeo de show de comédia, humorista Léo Lins faz piadas com minorias — Foto: Reprodução/Youtube