Ah, o tempo de criança… aquele mundo onde tudo era possível, onde cada risada tinha som próprio e cada passo, um universo inteiro a ser descoberto. Lembro de correr pelo quintal com meu amigo Jaylson, sem pressa, sem relógio, sem peso nos ombros. Nunca fomos adultos precoces; nunca carregamos nas costas as preocupações que só o mundo grande impõe. Apenas existíamos, inventando histórias, brincando, deixando a imaginação guiar nossos dias, vivendo cada instante como se fosse eterno.
Semana passada, presenciei algo que me trouxe de volta a essa memória: duas menininhas brincando numa poça de lama. Uma se jogou inteira, deitando-se e “nadando” no barro, sem medo, entregando-se à alegria mais pura. A outra observava, rindo e com um receio curioso: “Será que eu posso?”, e ali estava toda a coragem e a liberdade que a vida adulta insiste em nos roubar. Para elas, a maior preocupação era descobrir se podiam se entregar à diversão. Para nós, adultos, tantas vezes, a vida é só cansaço, preocupação e rotina.
E então, uma delas começou a cantarolar algo que sempre me fascinou: “bailarina capuccina”. Eu nem sabia o que significava, talvez fosse algo que ela tinha visto na televisão, no celular, ou em algum cantinho do seu próprio universo. Mas era bonito, inventivo, estranho e encantador. E isso me lembrou o que Zeca Baleiro escreve em Casos Curiosos de Bichos Falantes: a mente da criança é fértil, capaz de criar mundos inteiros. Ela pode imaginar uma raposa banguela, um elefante que voa, um patinho lindo, e tantas outras coisas que só existem na liberdade do brincar.
A criança tem esse poder extraordinário: ela colore o mundo com risadas, inventos, coragem e imaginação. Mas quando se afasta, mesmo que por alguns instantes, tudo perde o brilho. O céu escurece, o chão pesa, o vento silencia. Tudo parece cinza. É como se o mundo dependesse da presença dela, da luz que carrega, da coragem que inspira e da imaginação que transforma até o mais comum em extraordinário.
Ah, a infância… tão sagrada, tão intensa! Cada pedra, cada árvore, cada sorriso do meu amigo ou daquela menininha cantando “bailarina capuccina” carregava um encanto único. Esses pequenos momentos nos lembram que a vida pode ser leve, pura e cheia de magia, se permitirmos que o espírito da criança que fomos continue a viver dentro de nós. Sem isso, sem essa luz, tudo se torna pesado, sem cor, triste.
Porque a criança nos ensina que a alegria, a coragem e a imaginação não têm limites. E que, mesmo no mundo adulto, podemos carregar um pouco daquela magia, sonhar com raposas banguelas e elefantes que voam, e nos deixar envolver por risadas que fazem tudo valer a pena.
A mente fértil da criança sob a luz da ciência
O universo infantil sempre parece um mistério para os adultos. Como é possível que uma criança transforme uma poça de lama em oceano, um graveto em espada, uma frase inventada, como “bailarina capuccino”, em canção que ecoa dentro da casa inteira? A psicologia e a ciência têm tentado, há décadas, entender esse poder criativo.
Jean Piaget já dizia que a criança não pensa como um adulto em miniatura. Ela vive em outra lógica, em um mundo próprio, cheio de símbolos e significados que a nós parecem sem sentido, mas que para ela são a maneira de compreender a vida. Quando imagina uma raposa banguela ou um elefante que voa, ela não está apenas brincando: está experimentando possibilidades, ensaiando hipóteses sobre o mundo.

Lev Vygotsky foi além e explicou que a brincadeira é o lugar onde a criança cresce. É no faz de conta que ela aprende a negociar regras, a ser corajosa, a explorar emoções. O brincar é um ensaio da vida. Ali, a imaginação não é fuga: é preparação.
A ciência atual confirma isso. Estudos de neurociência mostram que, quando a criança inventa histórias ou canta palavras desconexas, ativa áreas do cérebro ligadas à criatividade, à resolução de problemas e até à empatia. É como se o brincar fosse o idioma original da infância, um idioma que os adultos, com o tempo, desaprendem.
Talvez seja por isso que, quando a criança se vai, quando ela sai da sala, quando cresce, quando se apaga a sua voz, o mundo parece perder o corpo. Tudo fica cinza, como se a vida se tornasse apenas rotina e obrigação. A infância é a centelha que lembra aos adultos que o mundo pode ser maior do que o que está diante dos olhos.
Porque no fundo, a criança sabe o que a ciência comprova: imaginar é aprender. Brincar é existir. E talvez seja essa a maior lição que elas nos deixam, a vida não precisa ser apenas peso, pode ser também poesia.
Agora… sabe um segredinho meu? Tá bom, eu vou contar.
Quando eu era criança, eu tinha uma amiga. Nós duas éramos bem unidas. Um dia, perto da nossa rua, havia redes de energia elétrica. Às vezes, os passarinhos pousavam ali e, infelizmente, morriam com o choque. E sabe o que a gente fazia? Nós duas pegávamos aqueles passarinhos com todo cuidado, cavávamos a terra e fazíamos um velório. Sim, um velório de verdade, com cruzinha e tudo. A gente chorava, se emocionava, sentia como se fosse uma despedida de verdade.
E isso… isso também é ser criança. Criar cenários, dar significado às coisas, sentir intensamente cada momento. Porque a infância é esse lugar mágico, onde brincar e imaginar também é uma forma de amar.
