Você lembra daquele meme da garotinha indignada no show da Xuxa? Ela olha para a câmera e solta: “que show da Xuxa é esse?” porque os adultos entraram e as crianças ficaram de fora. Pois bem, não encontrei pergunta melhor para resumir o que aconteceu na audiência pública sobre a criação da Área de Proteção Ambiental (APA) no Paleocanal do Rio Tocantins e no Bico do Papagaio.
Porque, convenhamos: a promessa era de escuta pública. Mas, na prática, virou um espetáculo político, com direito a discursos ensaiados e aplausos combinados. E olha que o palco era grandioso: estamos falando de uma região riquíssima, onde Cerrado e Amazônia se encontram. Um território com mais de 600 espécies de plantas já catalogadas, dezenas de animais ameaçados de extinção, e nada menos que 618 lagos mapeados. Tudo isso convivendo com comunidades tradicionais, ribeirinhos, quilombolas, quebradeiras de coco, pescadores, que há séculos tiram dali o sustento e a cultura.
Mas quem disse que eles tiveram voz? Muitos assinaram listas para falar, mas só os “escolhidos” pelo comando da mesa ganharam microfone. O resto? Figurantes de luxo. Plateia que aplaudia, mas não opinava. E a coreografia era sempre igual: bastava alguém dizer “sou contra” em tom firme e, pronto, a salva de palmas vinha automática. Nem precisava explicar por quê. Virou bordão de auditório.
No meio desse teatro, ainda teve prefeita que tentou se colocar como “pega de surpresa”, dizendo que não sabia da primeira reunião. Difícil engolir, já que vereadores do município estavam presentes. Essa mesma prefeita que em outros momentos anunciou recursos para o turismo da região (quais mesmo?) agora parece ter esquecido de apresentar qualquer detalhe. Ficou no ar a sensação de promessa repetida sem consistência.
E o relatório técnico do ICMBio? Trouxe números importantes: alertou sobre desmatamento, mineração, pesca predatória e erosão. Mostrou a fragilidade de um território que já sofre com degradação ambiental. Mas deixou perguntas no ar: como vai ser o zoneamento? De onde virá o dinheiro? Quem vai fiscalizar? Essa falta de resposta abre espaço para desconfiança… e a gente sabe muito bem o tipo de interesse que adora ocupar vácuos.
E tem um ponto que quase ninguém tocou: as mudanças climáticas. Estamos no meio do chamado “arco do desmatamento”, uma das áreas mais pressionadas do Brasil. Aqui, as secas estão cada vez mais longas, as cheias mais intensas, os rios assoreados, os solos perdendo fertilidade. Não é previsão, é realidade. Mas a audiência preferiu fingir que não viu.
No fim, ficou a sensação de que o futuro do Bico do Papagaio foi tratado como mais um programa de auditório: quem gritava mais alto contra a APA ganhava aplauso; quem tinha dúvida ou proposta concreta, ficava de fora.
E é aí que o meme volta a fazer sentido: que show da Xuxa é esse, minha gente? Uma escuta pública que não escutou. Um debate que virou espetáculo. Um assunto sério tratado como entretenimento.
Enquanto o mundo inteiro procura equilibrar preservação e desenvolvimento, aqui seguimos gastando energia em palcos improvisados. E a pergunta que não quer calar é: até quando?